quinta-feira, 22 de março de 2007

Ontem: dia da Poesia



O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas


Eugénio de Andrade



Nunca são as coisas mais simples que aparecem
quando as esperamos. O que é mais simples,
como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se
encontra no curso previsível da vida. Porém, se
nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos
nos empurrou para fora do caminho habitual,
as coisas são outras. Nada do que se espera
transforma o que somos se não for isso:
um desvio no olhar; ou a mão que se demora
no teu ombro, forçando uma aproximação
dos lábios.


Nuno Júdice



O poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 2 de março de 2007

No chão das palavras

Acende uma estrela no chão das palavras.

As tuas palavras são a tua dança e esse é o som da terra que te balança no corpo.

Acende uma estrela, o teu coração é uma árvore de frutos.

É doce adormecer imaginando a lua que embala a noite que anda pedindo abrigo nos nossos olhos.

Acende uma estrela, uma flor e um peixe vermelho.

No teu coração e no teu pensamento anda um poeta fugitivo das palavras.

As tuas palavras gritam toda a vontade do teu corpo e a vontade da terra que arranca de si todo o silêncio e dele faz toda a tua liberdade. Acende uma estrela, uma flor e um peixe vermelho e faz o mundo com mais um passo do teu ritmo.

E tudo fique novamente azul e tudo fique novamente suave.

José Fernando Lobo