domingo, 16 de julho de 2006
segunda-feira, 10 de julho de 2006
" (...)
01h13
Custa-me falar. Custa-me dizer palavras que não conduzam a lado nenhum, que não iriginem intimidade, que não toquem. E por vezes, penso: vou gastando as minhas palavras, assim, desapaixonadamente, desinteressadamente; e quando precisar mesmo delas - ainda acredito que esse dia chegará -, descobrirei que se me acabaram; procurarei dentro de mim e não encontrarei; apenas o vazio estará lá: maior que hoje. E preocupo-me: porque não sei onde se podem ir buscar palavras, não sei se é possível obter e usar mais palavras que aquelas que nos dão à nascença (nascemos apenas com dois olhos, e assim temos de sobreviver; nunca ninguém pensou partir pelo mundo, em busca de mais olhos, por achar que dois são insuficientes).
Por vezes, gosto de imaginar que as palavras nascem nos ramos de uma árvore misteriosa, uma árvore milenarque existe desde o início dos tempos, que nunca morre (árvores que são, também, colunas: que de algum modo sustenta o mundo); gosto de imaginar que há planícies imensas serpenteadas destas árvores e que, por vezes, algumas pessoas podem passear-se entre elas e colher as palavras que desejam. Como meninos, brincando num laranjal, num fim de tarde de Primavera.
Também já houve alturas em que pensei: as palavras vêm do mar. Existiriam entre ondas, envolvidas pela água. Como bebés, nas placentas das mães. Nascendo, a todo o momento: formas invisíveis soltando-se com ternura da água, sacudindo a espuma, e flutuando nas costas do vento, por aí. A atmosfera estaria repleta delas, infinidades de palavras virgens, ansiosas por serem ditas, gritadas, segredadas; ou adiando o propósito da sua existência, o momento em que alguém as pega e, envolvendo-as na humidade da garganta, (outra placenta), extrai o som que é a sua essência, esvaziando-as.
Penso (pensar não consome palavras) muitas coisas, assim. E tenho pena de não poder falar nisto a ninguém, não ter as palavras necessárias em mim. Sinto-me deficiente: nasci com défice de palavras. (...) "
[Paulo Kellerman, 'Gastar Palavras - estórias - '
Das melhores acções que tive estes últimos tempos: comprar este livro. Bonito, mesmo, no melhor sentido da palavra.
Apresentação dia 22, no Mercado Negro, por Gonçalo M. Tavares.]
Porque a inspiração joga comigo às escondidas e a vontade com ela foi...
01h13
Custa-me falar. Custa-me dizer palavras que não conduzam a lado nenhum, que não iriginem intimidade, que não toquem. E por vezes, penso: vou gastando as minhas palavras, assim, desapaixonadamente, desinteressadamente; e quando precisar mesmo delas - ainda acredito que esse dia chegará -, descobrirei que se me acabaram; procurarei dentro de mim e não encontrarei; apenas o vazio estará lá: maior que hoje. E preocupo-me: porque não sei onde se podem ir buscar palavras, não sei se é possível obter e usar mais palavras que aquelas que nos dão à nascença (nascemos apenas com dois olhos, e assim temos de sobreviver; nunca ninguém pensou partir pelo mundo, em busca de mais olhos, por achar que dois são insuficientes).
Por vezes, gosto de imaginar que as palavras nascem nos ramos de uma árvore misteriosa, uma árvore milenarque existe desde o início dos tempos, que nunca morre (árvores que são, também, colunas: que de algum modo sustenta o mundo); gosto de imaginar que há planícies imensas serpenteadas destas árvores e que, por vezes, algumas pessoas podem passear-se entre elas e colher as palavras que desejam. Como meninos, brincando num laranjal, num fim de tarde de Primavera.
Também já houve alturas em que pensei: as palavras vêm do mar. Existiriam entre ondas, envolvidas pela água. Como bebés, nas placentas das mães. Nascendo, a todo o momento: formas invisíveis soltando-se com ternura da água, sacudindo a espuma, e flutuando nas costas do vento, por aí. A atmosfera estaria repleta delas, infinidades de palavras virgens, ansiosas por serem ditas, gritadas, segredadas; ou adiando o propósito da sua existência, o momento em que alguém as pega e, envolvendo-as na humidade da garganta, (outra placenta), extrai o som que é a sua essência, esvaziando-as.
Penso (pensar não consome palavras) muitas coisas, assim. E tenho pena de não poder falar nisto a ninguém, não ter as palavras necessárias em mim. Sinto-me deficiente: nasci com défice de palavras. (...) "
[Paulo Kellerman, 'Gastar Palavras - estórias - '
Das melhores acções que tive estes últimos tempos: comprar este livro. Bonito, mesmo, no melhor sentido da palavra.
Apresentação dia 22, no Mercado Negro, por Gonçalo M. Tavares.]
Porque a inspiração joga comigo às escondidas e a vontade com ela foi...
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