sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Autunno -Amore- a Torino
…ou o Amor é um (des)lugar











Há flores, há cores, há folhas no chão
que podem não voltar...
Podes não voltar!...
mas é eterno em nós
e não vai sair.


Por ser tanto quanto somos,
certo quando vemos,
calmo quando queremos… Hoje, só por ser Outono, vou...

[Tiago Bettencourt]




Foi ali que senti verdadeiramente o Outono este ano. Turim foi Amor.
Como diz a música, que constantemente me acompanhou no ouvido (do coração), hoje só por ser outono vou chamar-te meu amor…, e assim talvez terá sido: pelos seus térreos tons, luz envolvente ou doce-suave companhia… Outono foi Amor.
Laços tão delicados como folha que cai, tão firmes como a chuva, são Amor que faz Outono o ano inteiro. E esse não é só em Turim…




(31 Out. – 4 Nov.)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

andar de avião em direcção ao pôr-do-sol fez-me pensar que é o mesmo que viajar 1h para o futuro sendo que no local de partida onde o sol já se pôs a hora é determinada com uma hora a menos que no local de chegada onde o sol ainda se está a por




depois de tamanho pensamento mas não tão grande como a imensidão de todo um céu abarcado pelo meu olhar nem tão único como as as cores bonitas daquele pôr-do-sol apercebi-me que fusos horários é invenção humana e que talvez por isso a minha teoria não estivesse assim tão correcta encolhi os ombros fechei os olhos e acabei por sorrir afinal de contas continuei a viajar para o pôr-do-sol e isso por si é já um mágico privilégio

domingo, 28 de outubro de 2007

Esta tem mesmo, mesmo de ser!... :
Um rapaz que eu conheço
Eu conheço um rapaz, mais ou menos da minha idade, que sabe ser feliz. Ninguém tem explicação para esta condição altamente fora do normal, altamente improvável. Ele tem três irmãos e todos eles são pessoas comuns, iguais a milhões, biliões de outras. Quanto estão zangados, dizem palavras de que se arrependem. Quando estão desiludidos, vê-se nos seus rostos. Quando estão muito tristes, choram. Já o rapaz que sabe ser feliz nunca diz palavras de que se arrepende, nunca se vê o desalento no seu rosto, nunca chora. O seu rosto é o seu sorriso. Quando chega, sorri. Quando se despede, sorri. Fica muito tempo a ouvir as pessoas que querem falar com ele. Há muitas pessoas que gostam de falar com ele. Ele ouve nos momentos em que as pessoas querem que ele ouça. Ele faz perguntas nos momentos em que as pessoas querem sentir que ele está interessado. Ele sorri durante o tempo todo da conversa. Muitas vezes, as pessoas contam-lhe histórias tristes. Contam-lhe coisas más que fizeram, porque sabem que ele entenderá. Contam-lhe histórias de coisas que aconteceram: maldades e coisas más. Ele ouve porque gosta verdadeiramente de ouvir. Ele faz perguntas porque sente curiosidade verdadeiramente. Ele sorri sempre. Quando as pessoas lhe falam de coisas más, ele não sorri, mas ele sorri. Os seus lábios não têm a forma de um sorriso, mas os seus olhos sorriem. Os seus olhos não sorriem, mas têm um brilho que é um sorriso.
Quando estão muitas pessoas e ele chega, passa pouco tempo e todos sorriem com ele. Os mais amargos sorriem. Os mais invejosos sorriem. Os mais perversos sorriem. Os funcionários de repartições, os poetas, os advogados sorriem. Quando se despede, sorri e o seu sorriso permanece no rosto das pessoas durante o resto do dia. Contam-se muitas histórias sobre ele. Diz-se que, quando ele põe as mãos em concha, cresce uma bola de luz dentro das suas mãos. Diz-se que, quando ninguém está a ver, ele entorna essa luz sobre a cabeça das pessoas. Eu não duvido dessas histórias. Nunca vi essa bola de luz, nunca ninguém a viu, mas acredito. O seu sorriso é a sombra da sua alegria. Quando ele sorri, existe no seu interior uma alegria que é o sol. Quando ele sorri, o sol inteiro está apertado, quase a explodir, dentro dele. O seu sorriso tem muitas formas. É terno, entusiasmado, meigo, vivo, brando. As formas do seu sorriso são as formas exactas da alegria que existe dentro dele. Ele é sincero. Sabe ser feliz e, por isso, ele é feliz.
Contam-se muitas histórias sobre a origem da sua felicidade. Ninguém sabe qual é a verdadeira. Cada pessoa conta uma história diferente. Às vezes, as pessoas discutem sobre isso. Nunca chegam a uma conclusão. Se uns dizem que foi um vírus, outros dizem que nasceu assim. Às vezes, as pessoas zangam-se umas com as outras por causa disso. Às vezes, deixam de falar umas com as outras por causa disso. Fazem as pazes no momento em que voltam a encontrar o rapaz. Se uma dessas pessoas encontrar o rapaz de manhã, se a outra encontrar o rapaz à tarde, ficam com um sorriso grande para o resto do dia. Se depois disso se encontrarem, fazem as pazes. Uma das pessoas ficará a repetir desculpas para a outra que, ao mesmo tempo, repetirá desculpas também. Poucos horas depois de nascer, quando a mãe estava na maternidade, com os cabelos sobre a almofada, sem força, quando o pai estava de pé ao lado da cama, quando a enfermeira chegou com ele ao colo, quando a mãe o aceitou nos braços e fez com os lábios a forma de beijinhos, quando o pai se inclinou para o ver melhor, quando os pais o consideraram seu pela primeira vez, a mãe disse: Olha, parece que está a sorrir. Alguém me contou que, depois dessa hora, os seus pais sorriram durante o resto do dia. As pessoas que eles encontram sorriram também durante o resto do dia, assim como sorriram as pessoas que essas pessoas encontram. Aquele sorriso alastrou-se pelo mundo como se o varresse e, na última hora desse dia, todas as pessoas vivas sorriram. Ninguém sabe ao certo se essa história é verdadeira, mas não deixa de ser uma boa história.
A verdade absoluta é que esse rapaz que eu conheço sabe ser feliz. Já houve gente a pedir-lhe que explicasse a felicidade. Ele sorriu e não soube responder. Aqueles que lhe perguntaram sorriram e aceitaram essa resposta. Talvez ponha as mãos em concha, talvez cresça uma bola de luz dentro das suas mãos. Porque não? Eu e toda a gente que o conhece muitas vezes deixámos que as nossas mãos ficassem em concha durante momentos. Não resultou. Eu e toda a gente que conhece esse rapaz achámos que não conseguíamos. Duvidámos. Sofremos por duvidar. Depois, entendemos. As mãos em concha, uma bola de luz a crescer dentro das mãos. Faltava o mais importante. Eu e todos, em algum momento das nossas vidas percebemos que não basta formar uma concha com as mãos, é preciso sorrir. Depois, se olharmos bem, veremos como cresce uma bola de luz. Natural, incandescente, limpa. Quando ninguém está a ver, podemos entorná-la sobre a cabeça de alguém. O seu sorriso ensinar-nos-à sorrir ainda mais.
[José Luís Peixoto, HISTÓRIAS RARÍSSIMAS, pela Associação Nacional de Doenças Mentais e Raras (é lindíssimo o livro, de histórias bonitas como esta. e o dinheito reverte todo a favor da associação... aconselho vivamente!)]

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

silêncio solar da manhã











enquanto dorme, a sua respiração é a manhã a respirar lentamente sobre todos os lugares iluminados do mundo.



[título e texto adaptados de poemas de José Luís Peixoto]







(mais uma da analógica)

domingo, 14 de outubro de 2007

o que tenho cá dentro,

são sonhos na mão.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

.: 1 de Outubro - dia mundial da Música!
E, por isso, e por haver músicas que vão passando através do tempo sem morrer, aqui fica a sugestão de uma música bonita, cantada por uma menina bonita:


segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Os sonhos do Gui
O Gui é um menino que não gosta de bolinhas de sabão à toa.
Ele acredita que cada bolinha de sabão leva um abraço colorido a um menino diferente; acredita, também, que cada abraço colorido desenha um sorriso quentinho no olhar do menino que recebe a bolinha de sabão; e que cada sorriso quentinho faz nascer uma nova estrela no céu dos meninos que sorriem ao receber um abraço quentinho levado pela bolinha de sabão do Gui.
Onde o Gui mais gosta de libertar sonhos, perdão, bolinhas de sabão é na praia. Ele sabe que o mar e o vento conduzem-nas até ao outro lado do mundo: assim, todos os meninos poderão receber uma abraço quentinho levado pela bolinha de sabão, sorrir, e fazer nascer uma nova estrela no seu céu.
Os sonhos do Gui plantam um céu estrelado no coração de todos os meninos.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

: Raízes de ar

num mundo ao contrário, caminho nos sonhos.
grito à terra, engulo o ser:
sou tronco de vento, raízes de ar.
sou o instante, de uma efemeridade infinita.

quinta-feira, 28 de junho de 2007


Faz um sorriso e anda cá
a ver no que dá:
põe e dispõe de mim!...

Dança um pouco em silêncio,
pergunta em que penso:
põe e dispõe de mim!...

E diz ao sol que eu já vou,
despreza o que eu dou:
põe e dispõe de mim!...

Leva-me as roupas de que gostes,
mas nunca te mostre não, não:
põe e dispõe de mim!...

Vá, muda-me o que eu só não mudo,
acaba com tudo:
põe e dispõe de mim!...

Mas se um dia quiseres ter do teu lado
um corpo pisado:
põe e dispõe de mim.


[Jorge Cruz, ontem, em Passos Manuel (Porto)]

terça-feira, 26 de junho de 2007

qual será o cheiro das estrelas?
numa tentativa de ilustrar o bonito texto de Paulo Kellerman]
'Conto estrelas. E imagino-me a tocá-las, agarrá-las, acariciá-las. E cheirá-las. Pergunto-me: qual será o cheiro das estrelas? Penso nisso. E sinto o vento fresco despegar-se da noite, aproximar-se, tocar-me. Enrolar-me o cabelo. Acariciar-me a ponta do nariz. Segredar-me aos ouvidos.
Apetece-me música. Procuro a lua e encontro-a lá longe, tímida, discreta, cansada. Mesmo assim, não resisto; peço: canta-me. E ela canta.
(...)
Eu quero voar. Quero fechar os olhos, abrir os braços e voar, subir e subir e subir, atravessar nuvens e sentir a sua humidade na ponta da língua, trespassar o azul do céu com o azul dos meus olhos, e continuar, sempre, por aí acima. Quero sentar-me na lua e sentir o cheiro das estrelas. Quero ser engolida por um buraco negro, ser perseguida por uma estrela cadente. Quero espreitar o interior dos satélites, dançar nas suas asas.
E depois, regressar. Conhecer os mares, nadá-los, aprender os seus fundos. Perseguir peixes, ser engolida por uma baleia e adormecer no seu estômago. Descobrir grutas subterrâneas, desenterrar tesouros fabulosos. Ou simplesmente: respirar dentro de água.
Quero deitar-me na erva fofa de uma campo verde e fechar os olhos, ouvir o sopro do vento acariciar as árvores; ser engolida pela escuridão, respirar devagarinho, saborear a paz; e sentir que o tempo vai parando: como se o mundo esperasse por mim. Percebes isto? Sentir que o mundo espera por mim. Sentir que sou tão importante para o mundo que ele espera por mim.
E depois, agradecer-lhe: devorando-o. Sei lá: subir árvores, andar de bicicleta, roubar nêsperas e atirar os caroços a quem calhar, colher flores, aprender a linguagem secreta dos gatos, fazer pão e comê-lo com manteiga, rasgar os livros de que não gosto, tocar violino no cimo de uma montanha, fazer aviões de papel e atirá-los do alto de um farol, colher caracóis nas bermas das estradas e depois libertá-los nos pomares, brincar com bonecas, abordar pessoas desconhecidas e adivinhar-lhes os nomes, caminhar pelos passeios e sorrir a quem passa.
Quero percorrer o mundo, cada centímetro do mundo, e apropriar-me dele, fazê-lo meu. Quero devorar vida, engolir felicidade; e depois, devolvê-la, através dos olhos, a quem amo, a quem um dia odiei. Quero beber a beleza do mundo e dos homens, embriagar-me de beleza, ser beleza. Destilar beleza. E depois, morrer: saciada. Deitar-me novamente na erva fofa do mesmo campo verde e fechar os olhos, ouvir o sopro do vento acariciar as árvores; ser engolida pela escuridão, respirar devagarinho, saborear a paz; e sentir que o tempo vai parando, parou: para sempre.
Quero tão pouco, afinal. Não achas?'
[Paulo Kellerman, "Os Mundos Separados que Partilhamos]

terça-feira, 12 de junho de 2007

o meu gatinho tem cheiro de chuva...

domingo, 27 de maio de 2007

... playing under the table and dreaming!

foto de sol.sapo.pt

[link]

[link]

terça-feira, 8 de maio de 2007

assintonias:















o rádio sempre a tocar
um coração avariado
que não posso desligar.

_rui lage, por A NAIFA

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Fui esperar-te, esperando que tu me esperasses.
Sentei-me, olhei em volta, senti o frio que já chegava pelas mãos do vento, a amplitude do espaço, a minha pequenez... Não, não estavas. Fechei os olhos - o sol, o ar agreste, o tremor do corpo (não sei se do tempo, se da ansiedade nervosa). Abri de novo, olhei em volta, e... não. Peguei no espelho e olhei-me; não, olhei-te, no meu olhar - tudo em mim és tu: os sonhos, os desejos, os gestos, a vida. A espera. Naquele lugar que é o nosso, eu vi-te, em mim. Vi-me sozinha porque tu não estavas... nem eu, afinal.
Eu, sem ti - eu, sem mim.






quinta-feira, 22 de março de 2007

Ontem: dia da Poesia



O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas


Eugénio de Andrade



Nunca são as coisas mais simples que aparecem
quando as esperamos. O que é mais simples,
como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se
encontra no curso previsível da vida. Porém, se
nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos
nos empurrou para fora do caminho habitual,
as coisas são outras. Nada do que se espera
transforma o que somos se não for isso:
um desvio no olhar; ou a mão que se demora
no teu ombro, forçando uma aproximação
dos lábios.


Nuno Júdice



O poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 2 de março de 2007

No chão das palavras

Acende uma estrela no chão das palavras.

As tuas palavras são a tua dança e esse é o som da terra que te balança no corpo.

Acende uma estrela, o teu coração é uma árvore de frutos.

É doce adormecer imaginando a lua que embala a noite que anda pedindo abrigo nos nossos olhos.

Acende uma estrela, uma flor e um peixe vermelho.

No teu coração e no teu pensamento anda um poeta fugitivo das palavras.

As tuas palavras gritam toda a vontade do teu corpo e a vontade da terra que arranca de si todo o silêncio e dele faz toda a tua liberdade. Acende uma estrela, uma flor e um peixe vermelho e faz o mundo com mais um passo do teu ritmo.

E tudo fique novamente azul e tudo fique novamente suave.

José Fernando Lobo

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Pó de estrelas

Somos feitos
da mesma matéria
que as estrelas
e os amores perfeitos

Somos feitos
de pó de estrelas


[Jorge Sousa Braga - 'Pó de estrelas']

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

E porque as palavras teimam em não aparecer, fica a imagem:


A Juventude num clique.
(If-I-Knew: deviantart)

domingo, 11 de fevereiro de 2007

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

O Oliver é pessoa.


sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

(Não sei como é que ainda não tinha posto isto aqui... adoro este texto!)
"Quando perguntaram a Joaninha o que é que ela queria ser quando fosse grande (há sempre um dia em que um adulto nos faz essa pergunta), ela não hesitou:
- Quando for grande quero ser maçã!
Disse aquilo com tanta convicção que a mãe se assustou:
- Maçã?
A maior parte das crianças quer ser: a) astronauta; b) médica/o; c) corredor de automóveis; d) futebolista; e) cantor/a; f) presidente. Há algumas respostas mais originais: "Quero ser solteiro", confessou o filho de uma amiga minha. Conheço uma menininha que foi ainda mais ambiciosa:
- Quando for grande quero ser feliz.
Mas maçã? Joaninha, meu amor, maçã porquê? A pequena encolheu os ombros: "são tão lindas". Passaram-se os anos e a mãe pensou que ela se tinha esquecido daquilo. Mas não. No dia em que entrou para a escola, a professora fez a todos os meninos a mesma pergunta:
- Ora então vamos lá saber o que é que vocês querem ser quando forem grandes...
Astronauta. Piloto de Fórmula 1. Cantora. Futebolista. Barbie (há muitas meninas que querem ser a Barbie). Médica. Modelo. Actriz. E tu, Joaninha?
- Eu quero ser maçã!
Risos. Os outros meninos começaram a fazer troça dela:
- Maçã raineta! Maçã raineta!...
- Se a Joaninha pode ser uma maçã, senhora professora, eu quero ser um avião...
Ela nem fazia caso. Quando crescesse havia de ser uma maçã, sim, uma maçã verde, luminosa, tão perfumada como uma manhã de Primavera.
Poucas vezes, porém, conseguimos cumprir os nossos sonhos. Joaninha transformou-se numa mulher bonita, estudou, e fez-se professora. Era uma boa professora. Só quem conseguisse olhar para dentro dela poderia saber que, bem lá no fundo do seu coração, Joaninha sentia ainda aquela grande vontade de se tornar maçã. O tempo passou - o tempo, aliás, está sempre a passar, nós é que nem sempre damos pela sua passagem. O tempo passou, portanto, e Joaninha envelheceu. Não casara, não tinha filhos, envelheceu sozinha.
Foi numa tarde de Outono. As árvores tinham perdido as folhas. O sol, cansado, com aquela cor macia que tem o mel, desaparecia no horizonte. Joaninha estava a dormir, sentada numa cadeira de baloiço. na varanda da sua casa, quando apareceu um anjo e a levou. Ela não percebou logo onde estava. Foi preciso que Deus lhe tocasse nos ombros com a ponta dos dedos:
- Acorda minha filha - disse-lhe Deus -, já chegaste.
Joaninha abriu os olhos e viu o que já antes via com os olhos fechados: os anjos passeando num grande jardim, os peixes flutuando no ar, juntamente com os pássaros, e aquele velho de barbas brancas, ao seu lado, sorrindo como só Deus sabes sorrir.
- Meu Deus - perguntou-lhe - porque não me deixaste ser maçã?
- Ser maçã é difícil, Joaninha - disse-lhe Deus. É preciso crescer muito para se ser uma boa maçã. Tu cresceste. Agora, sim, serás maçã.
Alguns anos depois, um menino descobriu no pomar da casa dos seus avós uma maçã de um brilho intenso. Cheirou-a: cheirava a manhãs lavadas, cheirava a Primavera, era um cheiro que se colava aos dedos. O menino comeu a maçã e sentiu-se feliz. Naquela tarde disse à avó:
- Sabes, acho que quando for grande quero ser maçã!"
[Estranhões & Bizarrocos (estórias para adormecer anjos), José Eduardo Agualusa]
(Não tenho nenhuma fotografia ou imagem bonita de alguma maçã... Fica ao critério e imaginação de cada um. Mas, por favor, criem a maçã mais bonita do mundo.)