"08h53
Por vezes, julgo-me especial. Penso: sou especial. E acredito.
Nada de extraordinário, essa especialidade. É apenas uma consciência não muito racional que por vezes vem e se insinua, murmura junto ao ouvido: tens, em ti, lá dentro, lá fundo, algo para dar.
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É isso que penso, que desejo: apetece-me dar; e sinto que posso. Depois, olho em redor, pergunto-me: mas quem receberá? (Novamente: uma cortina.) Muitas vezes, sinto-me pateta: como se fosse um daqueles loucos que percorrem as ruas das cidades com tabuletas penduradas ao peito, anunciando o fim do mundo; a minha tabuleta diria: dá-se amor. E andaria pelas cidades, exibindo-a, esfregando-a nos olhos de quem passasse. Para nada; porque ninguém diria: dá-me amor, que eu preciso.
E então, penso: não, não sou especial. E acredito."
[Paulo Kellerman, 'Gastar Palavras -estórias-']