quinta-feira, 28 de junho de 2007
Faz um sorriso e anda cá
a ver no que dá:
põe e dispõe de mim!...
Dança um pouco em silêncio,
pergunta em que penso:
põe e dispõe de mim!...
E diz ao sol que eu já vou,
despreza o que eu dou:
põe e dispõe de mim!...
Leva-me as roupas de que gostes,
mas nunca te mostre não, não:
põe e dispõe de mim!...
Vá, muda-me o que eu só não mudo,
acaba com tudo:
põe e dispõe de mim!...
Mas se um dia quiseres ter do teu lado
um corpo pisado:
põe e dispõe de mim.
[Jorge Cruz, ontem, em Passos Manuel (Porto)]
terça-feira, 26 de junho de 2007
qual será o cheiro das estrelas?
'Conto estrelas. E imagino-me a tocá-las, agarrá-las, acariciá-las. E cheirá-las. Pergunto-me: qual será o cheiro das estrelas? Penso nisso. E sinto o vento fresco despegar-se da noite, aproximar-se, tocar-me. Enrolar-me o cabelo. Acariciar-me a ponta do nariz. Segredar-me aos ouvidos.
Apetece-me música. Procuro a lua e encontro-a lá longe, tímida, discreta, cansada. Mesmo assim, não resisto; peço: canta-me. E ela canta.
(...)
Eu quero voar. Quero fechar os olhos, abrir os braços e voar, subir e subir e subir, atravessar nuvens e sentir a sua humidade na ponta da língua, trespassar o azul do céu com o azul dos meus olhos, e continuar, sempre, por aí acima. Quero sentar-me na lua e sentir o cheiro das estrelas. Quero ser engolida por um buraco negro, ser perseguida por uma estrela cadente. Quero espreitar o interior dos satélites, dançar nas suas asas.
E depois, regressar. Conhecer os mares, nadá-los, aprender os seus fundos. Perseguir peixes, ser engolida por uma baleia e adormecer no seu estômago. Descobrir grutas subterrâneas, desenterrar tesouros fabulosos. Ou simplesmente: respirar dentro de água.
Quero deitar-me na erva fofa de uma campo verde e fechar os olhos, ouvir o sopro do vento acariciar as árvores; ser engolida pela escuridão, respirar devagarinho, saborear a paz; e sentir que o tempo vai parando: como se o mundo esperasse por mim. Percebes isto? Sentir que o mundo espera por mim. Sentir que sou tão importante para o mundo que ele espera por mim.
E depois, agradecer-lhe: devorando-o. Sei lá: subir árvores, andar de bicicleta, roubar nêsperas e atirar os caroços a quem calhar, colher flores, aprender a linguagem secreta dos gatos, fazer pão e comê-lo com manteiga, rasgar os livros de que não gosto, tocar violino no cimo de uma montanha, fazer aviões de papel e atirá-los do alto de um farol, colher caracóis nas bermas das estradas e depois libertá-los nos pomares, brincar com bonecas, abordar pessoas desconhecidas e adivinhar-lhes os nomes, caminhar pelos passeios e sorrir a quem passa.
Quero percorrer o mundo, cada centímetro do mundo, e apropriar-me dele, fazê-lo meu. Quero devorar vida, engolir felicidade; e depois, devolvê-la, através dos olhos, a quem amo, a quem um dia odiei. Quero beber a beleza do mundo e dos homens, embriagar-me de beleza, ser beleza. Destilar beleza. E depois, morrer: saciada. Deitar-me novamente na erva fofa do mesmo campo verde e fechar os olhos, ouvir o sopro do vento acariciar as árvores; ser engolida pela escuridão, respirar devagarinho, saborear a paz; e sentir que o tempo vai parando, parou: para sempre.
Quero tão pouco, afinal. Não achas?'
[Paulo Kellerman, "Os Mundos Separados que Partilhamos]
terça-feira, 12 de junho de 2007
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