- Achas que sou parecida com a Flávia?
Riu-se.
- Tal e qual. A menina é a cara da sua mãe, nunca deu por isso? E quando nasceu e eu olhei para si, ainda hoje me lembro do arrepio a subir-me pela espinha! Era igualzinha, igualzinha à sua...
Parou, de repente, uma fracção de segundo talvez, e logo continuou:
- Igualzinha à sua mãe.
Trinco um quadradinho de pão com fiambre e queijo, daqueles que ela, dentro em breve, vai levar à Sala de Visitas, num ritual de anos a fio, e digo:
- Às vezes acho que sou parecida contigo...
- Talvez. A minha avó dizia que, quando uma pessoa gosta muito de outra, acaba por se parecer com ela. E, de resto, basta olhar para o seu pai: cada dia está mais parecido com a sua mãe... Que aquele homem não vê outra coisa na vida...
Leonor não gostava de ter sido substituída no coração do "seu menino", e nunca perdia a oportunidade de o lembrar.
- E a minha avó também dizia - continuou - que quando uma pessoa gosta muito de outra, mas mesmo muito, muito, como se nada mais tivesse importância, sempre que olha para a água dos rios é essa outra pessoa que ela lá vê.
- Isso é mesmo verdade?
- Verdade ou não, assim mo disseram.
- Tens a certeza?
- Tenho a certeza.
- Aqui não há nenhum rio para tirar a prova!
- Qualquer água serve.
- Mesmo a da banheira?
- Mesmo a da banheira.
- E a do lava-louças?
- Também - disse Leonor, sorrindo.
Alice Vieira, "Os Olhos de Ana Marta".
Sem comentários:
Enviar um comentário